San Quentin, 22 de novembro de 2028.

Dia de Ação de Graças. E o único peru que comi foi o do Rick.
Agora entendo o que os índios viveram. Agora sei que acordos de paz e alianças de amizade são fajutas e mentirosas. Todo mundo come todo mundo: o curso natural da vida.

Aquele velho caolho da cela ao lado tava ouvindo Thin Lizzy. E eu realmente achei que seria um bom dia. Como sou idiota... Imagino há quantos dias e dias ele ouve aquilo pra pensar que vai ter um bom dia, em todos os miseráveis dias... Malditos dias.


Não almocei, como sempre acontecem nas quartas-feiras, dia em que o guarda responsável pelo meu setor do refeitório recebe visita da mulher e fica 2 horas comendo ela na dispensa. Uns com tanto...
E como tomaram a minha ficha do almoço, não recebi a ficha pro jantar. E tô com fome até agora. Mas até aqui seria um dia feliz.

Como todo dia de Ação de Graças daqui - segundo me falaram -, um preso ganha um presente: passar um domingo fora. Eu acreditava que ganharia isso, mas como nunca dei a bunda pro diretor, nem sei de nenhum podre desse bosta, nem mando em porra de tráfico nenhum, comecei a me conformar com isso que passou bem longe do que sonhei ser o primeiro dia de Ação de Graças com o meu filho, o primeiro de minha vida, de verdade.

Mas você sabia, maldito diário, que se dopar, fingindo que não se importa, aumenta a raiva? E uma hora ela explode...

Rick, aquele viado nazista, me deu o presente dessa linda data. Na frente dos seus capangas, todos lixos mortos, me obrigou a me vestir de mulher. Me deu aquele maldito vestido vermelho, aquele maldito batom vermelho, e mandou aquela gazela que vive querendo dar pra ele fazer trancinha em mim. NA FRENTE DE TODO O PÁTIO! Na frente de todas as gangues. Na frente dos policiais. Na frente da Nancy. Na frente do Richard.
Não sei o que ele queria com isso. Agora chego a pensar que ele tava querendo mostrar algo pros negros, que ficaram calados, ou pros latinos, que só cochichavam. Todos mortos, pensando que estão sobrevivendo. E eu estou morto: achando que estou querendo sobreviver pra encontrar o túmulo do meu filho, ou Nancy abrindo as pernas em alguma rua por ai por trocados... Todos eles acabam assim.

Todos já sabiam que eu sou mulherzinha dele. E sei que essa foi a primeira humilhação pública de muitas que ainda vão vir em todos esses dias e dias. E eu ainda vou ver os olhos desse nazista viado brancos pálidos, cheios de morte, me pedindo um pouco de sopa e um pedaço de pão, porque seus braços não vão ter força nem pra levantar o pinto pra mijar. E essas lágrimas vão voltar...

Ainda estou esperando a raiva explodir...

Agora, no fim do dia, pude lembrar do sonho da noite passada. Uma cobra do deserto era comida por um rato. Até que, do nada, o rato explodia, e a cobra saía viva, com o olhar frio, cheia de sangue. Só quero saber quando é que vou sair da barriga do maldito rato.


Terminando de escrever nessa porra desse diário pra falar com o Roberto. Preciso muito de uma teta hoje.

Happy Thanksgiving for the survivors!
Happy Thanksgiving for the dead!

Um comentário:

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