San Quentin, 03 de janeiro de 2029.

Não tive saco pra escrever no Natal. Data chata, ainda mais quando você está sozinho. Sozinho e sem motivos pra escrever ou manter qualquer esperança de espírito festivo.

Tenho motivos pra ser o Grinch. O Natal nunca foi uma noite feliz. Quer dizer... Já foi.
Ano passado a Nancy tava grávida. A barriga dela não estava muito grande, mas era linda. O sorriso dela me fazia sentir o homem mais feliz do mundo! E tiveram também os natais no orfanato. Ficávamos a noite toda na igreja, rezando. Era chato, mas... Quem me dera que o meu tivesse sido daquele jeito, e não como foi há dias atrás...
Esquece. Já tive bons natais. Só não sabia que uma hora tudo isso ia acabar, como a minha própria vida.

Não vou esquecer nunca daquela noite. Aquela maldita noite. Achava que ia jantar, como todo mundo, no refeitório. O padre ia rezar [só não ia servir de muita coisa: aqui em San Quentin não entra Deus]; pensei até em me livrar do Rick pra fumar uma e esquecer, pelo menos por alguns minutos, da existência daquilo tudo.
Mas acabou que ele não me deixou nem sair pra comer. Isso porque ELE ia me comer antes.

"Vem cá, menininha. Hoje minha ceia é você e esse seu cu de viado." Não bastava só me abrir com aquele pau fedendo a podre e nojo; tinha que me humilhar, empurrando o punho fechado e me colocando na grade. Me fazer gritar e chorar na frente de todo mundo, que tava saindo das celas. Ouvir as risadas, ver os guardas passando, ignorando aquela maldita cena em que eu era a estrela. Sentir que você está sendo rasgado por dentro, com a dor bruta daquele oco de punho. Sentir seu sangue jorrando depois dele arranhar sem pena por dentro, rasgando o resto da minha dignidade.
"Vou te abrir aos poucos, loirinha. Até te arrombar e não servir mais pra porra nenhuma, nem pra vadia."
Só lembro, depois, do gosto de gala na minha boca. Aquela coisa nojenta, com cheiro de lixo; de tudo de ruim que um ser humano pode ser. Minha força indo embora...

Só consegui lembrar de uma cena, antes de apagar: eu estava na igreja - tinha acabado de me confessar pra Primeira Comunhão. Os meninos já tinham corrido pro jardim e eu fiquei lá, olhando aquele homem preso na cruz. Pensava como ele deve ter sofrido, mas por mais que o padre falasse, não imaginava o porquê de alguém se deixar doer assim, se era tão ruim. Hoje vejo, talvez ele não tivesse outra escolha, talvez estivesse mesmo preso àquela cruz...

Acordei ontem à noite na enfermaria. Ainda dói por dentro, no cu e na alma. A vontade de me matar ainda é grande, mas... Deve ter um motivo pra eu me lembrar daquela cena. Será que eu ressuscito no terceiro dia? Tem que ter algo pra mim longe daqui. Vinte anos são longos, mas tenho que conseguir um jeito de ficar longe do Rick, longe dessa cruz.
E é por isso que eu escrevo aqui na porra desse caderno. Quem sabe isso me sirva de algo! Quem sabe ainda não vejo o Rick comendo a minha merda! Quem sabe essa dor passe e eu pare de ter ilusões de esperança...

Vou ver se consigo com alguma enfermeira pelo menos uma teta. Alego tratamento medicinal pra diminuir a dor. Só sirvo pra isso mesmo: ser puta de nazista e fumar baseado.

Feliz 2029.

Um comentário:

  1. Sacanagem...
    Rapaz, se a eve encontra esse dignissimo, eu tenho é pena da maldição que ele ia levar nos coro

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