"- Ih! Esqueci de colocar uma meia extra!"

- Ih! Esqueci de colocar uma meia extra! - Falou Kurt, batendo na testa com a palma da mão, falando à uma altura que só ele poderia ouvir. Estava sentado no banco da estação, abrindo um Cheetos.
Sobrara pouco dinheiro. Tinha gastado quase tudo na passagem pra San Francisco. Tinha que dar certo! Era sua única esperança. Tinha que economizar aquele Cheetos até a chegada lá.
- Oi, garoto! Tudo bem? - Disse um homem de capa, que sentou-se ao seu lado no trem.


- Oi. E ai?
- Indo pra onde?
- Não te interessa. - Disse Kurt, cortando assunto.
- Nossa garoto! Por que essa hostilidade?
- Porque o senhor é um cara estranho, sozinho, senta do lado de um cara e já chega querendo conversa? Senhor, eu não sou criança: eu manjo das coisas.
- Ah, manja, é? - O homem sorri ironicamente.
- Sim! Manjo! E não vou conversar com um cara estranho. Com licença. - Kurt pegou suas coisas e sentou-se em outro banco. Sabia que o mundo poderia ser um lugar perigoso - poderia ser pior até que nas séries de TV. Irmã Marcella lhe dera vários conselhos sobre isso.

A viagem estava sendo longa e cansativa, o Cheetos já havia acabado faz tempo, mas o olhar do homem ainda o incomodava. Tinha que fazer alguma coisa... E se ele fosse descer em San Francisco também? E se ele tivesse procurando crianças pra rituais satânicos?
- Droga! - Resmungou baixinho. Decidiu ficar de olho em que estação o homem iria descer. Talvez ele fosse pra San Jose, Palo Alto, sei lá! San Francisco não era o único destino possível!

Ele não descia... Kurt tinha que tomar uma providência. Desceu antes de San Francisco: em Daly City. Eram só umas 8 ou 9 milhas até San Francisco. Daria um jeito!

O problema é que já era quase meia noite. Aquele era o último trem da noite. Tinha que dormir na estação. Se arrependeu de ter descido: no vagão estava mais seguro...
Acordou com um guarda e seu cacetete:
- ACORDA, VAGABUNDO! SAI DAÍ!
- Senhor, eu só estou...
- VAMOS! VAZA!
Correu fingindo sair da estação. Deu a volta, foi à cabine e comprou a passagem com o que lhe restava de dinheiro. Chegou a San Francisco meia hora depois.


A cidade era linda. A mais linda que já tinha visto assim, de perto - já que não deu muito pra ver Las Vegas da janela. E bem maior que Montgomery. Como procurar aquela rua?
- Senhor, onde fica 22nd Street?


"Corey deve ter ficado rico mesmo..." Pensou Kurt. Ao achar o número, tentou arrumar o cabelo emaranhado e limpar o sweater. Um senhor, com seus 60 anos, atendeu.
- Bom dia, senhor. Corey está?
- Quem?
- Corey! O menino que se mudou pra cá faz pouco tempo!
- Menino, EU me mudei pra cá faz pouco tempo!
- Mas... mas...
- Ôh, garoto, vá procurar a sua turma e pare de ficar infernizando a vizinhança! Da próxima vez que você ou um dos seus amiguinhos vierem aqui perturbar a minha paz, eu chamo a Polícia! - E bateu a porta com tanta força que nem parecia um homem velho.
"Não pode ser! O endereço é esse!" Analisando a carta amassada que recebera do amigo. Será que se mudou? Será que deu o endereço errado? Será que tudo isso foi de propósito?
Pela primeira vez em sua vida - e não a última - sentia-se verdadeiramente sozinho. E perdido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...