"Primeiro dia fora da cadeira estadual..." - Parte 1

Acordou às 6 da manhã, como sempre. Mas essa era uma manhã diferente. Kurt iria sair, finalmente.
Sair de San Quentin. Um sonho que esperava há longos 25 anos e que, agora, era realidade.
Kurt pegou o pouco que lhe restou de todos esses anos: uma toalha, poucas cuecas, alguns livros e seu precioso diário, que o acompanhava, já meio surrado, nos momentos mais trevosos desses últimos anos.


- Tá esquecendo do teu violão, Miss Alabama! Tava aqui debaixo da cama.
- Opa! Valeu, Thunder!


Seu colega de cela também iria sair naquele dia. Iria, finalmente, rever seu filho.


- Será que o Jamaica vem ou vai mandar alguém buscar a gente?
- Preferiria que ele viesse. Tô com saudade do pau daquele negão...
- Dá pra parar de falar no teu amor pelo Jamaica, Thunder? A gente já sabe que tu tá doido pra sair pra ver teu macho.
Era Corey, chegando na porta da cela com o pouco que tinha numa mochila. Também iria sair, junto com Kurt e Thunder. Jamaica tinha conseguido um podre de alguém do alto escalão e usou isso pra libertar os amigos. Estava realmente na época do Kurt sair. E Thunder ainda tinha mais 10 anos lá dentro. Mas aquela vitória foi maior para Corey, que tinha nas costas uma perpétua sem direito a condicional.


- Vou ver minha irmã, cara! VOU VER MINHA IRMÃ!
- Massa, cara! Massa pros dois...
Tanto Thunder quanto Corey sabiam de como essas palavras doíam para Kurt. Perdera um filho há muitos anos. Iria recomeçar do zero. Tinha poucas esperanças, quase nulas, de encontrar o filho Richard e a mulher, Nancy. Na melhor das hipóteses, não tinha ninguém pra quem voltar. O silêncio foi quebrado pelo próprio Kurt:
- O primeiro lugar que a gente vai é lá pra casa da sogra maluca do Thunder. Tenho que ver meu afilhado antes de qualquer coisa. Corey vai procurar a irmã logo: sei que tu tá doido pra ver ela. Se der tudo certo, a gente procura pelo Jamaica pra todo mundo se encontrar, ok?
Era a última vez que andariam por aqueles corredores. Corredores que contavam sua história e a de tantos outros, presos aos sistema, à fúria, a eles mesmos.


Ao passar pelas grades das outras celas, viam a revolta nos olhos dos presos que eles também tinham, no passado, ao ver alguém saindo. Pegaram os últimos pertences que tinham deixado na recepção, há anos atrás: documentos já amarelados, roupas já comidas pelo mofo. Era o recomeço tão esperado. Mas também cheio de medo do futuro.
Ver a luz do sol de fora da jaula de animais, colocar os pés fora daquele lugar que leva em seus muros as piores histórias que o homem poderia contar. Nunca gritos e urros de felicidade foram tão audíveis.
- FINALMENTE VOU COMER UMA BUCETA! CHEGA DE PAU!
- Porra, Thunder!
- Tu também tá doido pra comer uma, Miss Alabama. Fica na tua ai!
- Cara é sério. Ainda bem que não vim com a minha Betinha... O Jamaica nem pra me falar que era pra pegar três tarados, nam...
Uma voz cômica e grotesca, quase como a de um nosferatu dos filmes do Drácula, ecoou tão próximo de seus ouvidos que os três tomaram um susto. Mas ele nem era tão feio assim...



- Puta que pariu, hein... Mas que lugarzinho quente! Depois falam mal de Fortaleza... Mas diz ai, rapaziada! Meu nome é Cícero, prazer, e o Jamaica pediu pra vir buscar vocês. E ai? Quem vem comigo pro Brasil ver o negão?

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