Fortaleza

Nunca tinha viajado de avião. Mesmo quando saíra de Montgomery para San Francisco, foi de carona em carona. Seus ouvidos entupidos mal deixaram ele se concentrar no saiote da comissária de bordo, que passava fingindo amistosidade com os passageiros.
- Okay, e onde é essa fortaleza?
- Manolo, a gente não tá em Game of Thrones! O nome da cidade é Fortaleza!
- Mas você não me explicou porque o Jamaica não veio...
- O cara é empresário. Sabe como é, né? Mas se liga que tu vai ficar numa boa. Já tem lugar pra tu.
Pelo céu, via as luzes de uma cidade perto da praia. Começava a forçar o português que aprendera na prisão com o amigo. Parecia ser uma grande cidade: maior que Montgomery, menor que San Francisco.


Uma nova cidade abria a mente de Kurt. Ele poderia começar uma nova vida. Considerava muito o Jamaica, mas tinha medo do tipo de atividade que ele fazia pra ganhar dinheiro. Fazer merda o levou pra cadeira, e não queria voltar pra lá.
Enquanto pensava sozinho, sentiu algo pontudo por trás, como um dedo... Deu um pulo pra frente.
- DIZ, VIADO! 
Se não tivesse reconhecido a voz do Nego Preto, tinha nocauteado o vagabundo.


- SEU FILHO DA PUTA!
Deram um abraço forte, daqueles que só os maiores amigos não tem vergonha de dar. O sorriso estampado na cara do Kurt mostrava a felicidade de ver alguém conhecido em uma terra estranha, mas receptiva.
- Tu sabe que começou agora, né? Não vai ter moleza pra ti não.
- Eu sei! Vou trabalhar duro, porra!
- Não tô falando disso. Teu emprego já tá garantido. Tô falando que agora você já sabe de tudo: do bem, do mal e de todo tipo de merda que tem por ai. Fica ligado, cara, porque você tem um alvo maior ainda na cabeça.
- Eu sei. Tô aqui pra fazer a minha vida e te ajudar no que for. Tô contigo e não abro!
- Que encontro lindo! Cara, eu vou chorar! Sério! Essas coisas sempre me emocionam... Deu até saudade da minha Betinha...
- Vai ver a tua mulher, macho! Senão eu tomo pra mim! - Jamaica respeitava muito aquele velho aparentemente inofensivo. E Kurt percebera isso. Esperou que ele sumisse.
- O que ele é?
- É só o filho da puta mais poderoso dessa cidade. A criatura mais poderosa que você vai conhecer. Mas ele é um Kamazot de paz. Fique feliz, porque parece que ele gostou de você. Isso é raro...
Andaram alguns quarteirões, da casa de show dele, o Mambo, para a outra em que ele iria trabalhar, o Órbita, de um "amigo". Era sábado à noite, e parecia que aquele bairro era boêmio. Pessoas indo e vindo, luzes e sons se confundiam. Era, de fato, uma bela cidade.


- Não se preocupa. Tu vai fazer trabalho limpo, mas é de baixo, okay?
- Se for pra carregar caixa, eu vou. Você sabe que não tenho besteira com nada.
Era a maior casa de show do quarteirão, em frente a uma praça. Entraram pelo portão lateral, que dava acesso à área restrita da casa. Foram direto ao escritório do dono, que estava sentado.
- Boa noite, Jamaica. - Uma fria olhada dos pés à cabeça - É ele?


Kurt odiou esse olhar de todo o seu ser. Era esse mesmo olhar que os homens da lei faziam ao vê-lo. Preferiu não comentar, mas ele percebeu isso, de alguma forma. Essas criaturas sempre podem...
- Se não quiser, tudo bem...
- Não! - quase que instantaneamente - Ele... pode ficar com o cargo de carregador, que está vago. Dependendo de seu empenho, pode até subir para segurança, pelo seu porte...
- Todos os direitos, Olívio! Todos os direitos! - Disse ao dar um tapa nas costas de Kurt e sair. - Te cuida!
- Meu nome é Kurt e é um prazer...
- Reporte todas as informações à minha subalterna Caterine Ettus. Ela cuidará da parte burocrática, ok? Agora, se me der licença, Kurt...
Saiu tão apressado que esbarrou o peso de seu corpo numa moça. Quase a atropela. Ficou tão nervoso que esqueceu-se do português.
- Desculpe. Foi sem querer.
- Tudo bem... Você é o Kurt? - A voz suave e o inglês rebuscado fizeram Kurt olhar em seus olhos. E que olhos... Nunca vira olhos tao profundos. E tão tristes e sozinhos. E beleza tão divina... Isso o deixou mais desconfortável ainda.
- Prazer... A senhora é a...
- Pode me chamar de Caterine. O prazer é todo meu. Me acompanha pra acertamos a papelada da sua contratação?


Definitivamente, era a mulher mais divina que vira na vida. Alguém tão inalcançável que era um presente divino alguém como ele poder vê-la. Tentava disfarçar o encantamento.
- Seja bem vindo ao Órbita! Você começa amanhã. Este é o seu uniforme e aqui está o seu adiantamento do mês. Se precisar de qualquer coisa, fale comigo. Estes são os telefones úteis.
- Mas dona Caterine...
- Sou bem mais velha do que você, mas tire esse "dona".
- Caterine, aqui não tem dinheiro demais não? Dá pra comprar um carro com isso!
- Então o compre, se quiser! Mas o meu conselho pessoal é que alugue um apartamento perto daqui e venha a pé, para a sua segurança.
- Obrigado. Muito obrigado, d... Caterine. A gente se vê amanhã.
- Assim espero. Boa noite.
Por aquela noite, foi para um hotel. Alugaria um apartamento no outro dia. Na cama, a imagem daquela mulher-anjo não lhe saía da cabeça. Dormiu pensando que tivesse chegado a Paradísia. Mas tinha que suar pra continuar lá.
- Só me falta você aqui, Rick. Meu menino...

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