Me Gusta

  • SALÁRIO ACIMA DO MERCADO: deu pra alugar um apartamento legal e um carro simples;
  • PLANO DE SAÚDE: embora nunca tivesse precisado, era bom se precaver;
  • VALE ALIMENTAÇÃO: gasto todo em lasanha pronta, hambúrguer e suco de laranja;
  • TRABALHO À NOITE: podia conhecer muita gente, e já tinha feito alguns amigos;
  • PROTEÇÃO SOBRENATURAL: isso é muito importante nesse mundo - seu chefe era poderoso.
O trabalho de Kurt não poderia ser melhor. Carregar caixas aos depósitos era moleza pra ele. Às vezes o senhor Olívio o mandava fazer algumas "missões". Serviços simples, como investigação, infiltração,... Nada que nunca tivesse feito ou que não pudesse se sair muito bem. Tão bem que rapidamente saiu do depósito: virou segurança da boate. Seu trabalho agora, além das missões durante o dia, era de evitar bebarrões fazendo bagunça e vampiros burros agarrarem presas que já tivessem dono.
Certo. Aquilo era desumano. Humanos íam pra lá e muitas vezes morriam, como presas de vampiros. Mas o que poderia fazer? Estava tudo dentro do equilíbrio. O seu trabalho não poderia mudar a realidade do mundo, de que estamos todos numa cadeia alimentar e somos o elo mais fraco dele. Ou seria o mais forte?
"Eles sempre precisarão de nós." Pensava o humano que queria ganhar força em sua mente, se quisesse sobreviver no meio de toda aquela selva de sangue. Tinha objetivos bem delimitados em sua mente: encontrar sua mulher e filho, mesmo que numa cova.
- Tudo bem, Kurt? Está tão pensativo...
- Tô bem, Caterine. Sou assim mesmo. Paro do nada pra pensar na vida...
- Só tome cuidado pros seus pensamentos não falarem por si. Você sabe muito bem como é o Olívio.
Olívio era o único, a partir de então, que poderia ler a sua mente. Tinha que se esforçar pra não pensar em nada que o desagradasse.
Coincidentemente, a pausa pro jantar de Caterine batia com a dele. Como administradora, tinha todo o direito de jantar com o senhor Olívio, mas ficava lá, no refeitório, com os peões, como se fosse um deles. Isso o encantava. Aproveitavam a pausa pra conversar sobre tudo: música, conhecimento local e até um pouco da vida pessoal - bem pouco: Kurt não pensava em sujar os ouvidos da dama com sua história. Sempre sentavam juntos.
- Ei, Camarão. Tá com medo de sair numa quebra-de-braço com o papai aqui ou tá com medo?
- Marco, tô no horário do trabalho! Não posso, cara!
- Frescura de rabo, mah! Deixa que, com o Olívio, me acerto eu. Aquela biba-mor não vale um Big Big vencido!
Marco era vampiro e o melhor amigo do senhor Olívio. Mas às vezes não parecia... Tinha se separado da mulher há pouco tempo e compensava isso liberando a angústia na bebida, na força bruta e na cama, com a primeira vadia que visse.


- Para de bancar o bichão, Lôra! Não tá vendo que tu vai quebrar o braço do humaninho aqui?
- Alefe, quer apostar como o "humaninho" te parte em dois? - Disse Kurt, já encostando o braço numa mesa desocupada, perto da portaria. Olhava ao redor pra não ser pego pelos chefes matando o trabalho pra fazer briga de braço.
Mas nem adiantou o desafio. A força de um humano nunca pode se comparar a de Obscuri "especializado em porrada", como ele mesmo dizia. Alefe, apesar de meio burro, tinha muita influência na cidade. E uma grande capacidade de ter filhos, também...


- Quem é gostosão dessa porra? Quem é? - Disse Alefe, quase gritando, apertando os genitais dentro da calça em sinal de poder.
- Amendoim, diga logo: "Quem é o 'touro reprodutor' dessa porra?"
- Pelo menos a minha pimbada é mais segura que a tua, né Marco? Tá se achando muito porque chegou na letra "Z" da agenda? Mas isso não significa qualidade...
- Claro, Alefe! Eu tinha que conferir o material! Pelo menos só tenho 2 filhos, e não 5 com cada mulher que passou a mão.
- Ei, ei, ei! Que agenda é essa, meu povo? - Foi só o Kurt perguntar, Alefe coçou o meio das pernas, lembrando da letra "L" da noite passada:
- Êh, Lúcia... Saudade...
- Kurt, é só uma coleta de dados que EU fiz com o melhor que essa cidade tem. Duzentas das melhores meninas de Fortaleza, de "A" à "Z". Só tem puta boa! E tudo humana! - Disse Marco, já estufando o peito pelo seu feito.
- Isso é sério?
- Claro que é, Kurt! Por quê? Quer dar uma conferida?
- Ah não, Marco! Tá comigo ainda! Agora que eu terminei a letra "L"! - Alefe gritou tão alto que as 15 pessoas ao redor ouviram o que ele disse.
- Já passou tempo demais com ela! Agora é a vez Kurt.
Kurt não conseguiu segurar a risada ao ver a capa da dita agenda.


- Porra, Camarão! Vai querer ou não? Se não, eu vou hoje pra letra "M"!
- Não! Eu quero, Alefe! Sabe, eu tava pegando uma que o cara do hotel me indicou, mas tô a fim de variar. Não me saciou muito, saca?
- Então pega, Garanhão do Alabama! E se divirte ai!
- Só não vai se apaixonar por uma delas, ok? - Disse Marco, ao mesmo tempo que passava a sorridente Caterine. Kurt guardou rapidamente a agenda no bolso do uniforme.
- Boa noite, meninos!
- Boa noite, Caterine. - Um coro de voz grossas, mas que poderia ser confundido facilmente com um coro de crianças, perante uma professora, logo depois de terem feito algo errado.
- Tudo bem por aqui, Kurt? Algo fora do normal hoje?
- Tudo bem, Caterine. Tudo na paz. Pode ficar descansada.
- Que bom. Com licença, meninos. Vou ali no bar.
Ao se distanciar, Kurt conseguiu parar de olhar para sua chefe e perceber que Alefe também estava fazendo a mesma coisa, mas olhando para lugares diferentes...
- Êh, "me gusta"... Lá em casa ela ía saber o que é felicidade...
- Alefe, mais respeito, porra! Para de ficar secando ela, caralho!
- Calma, Kurt! Só tô comentando!
- Mulheres como a Caterine não são de receber cantada de pedreiro, Alefe. É sério!
- Que é isso, Kurt? Tá se arriando pela Caty? - Marco falou sussurando, com um sorrisinho irônico.
- Não, porra! É claro que não! Ela não é pro meu bico. E nem pro do Amendoim!
Kurt olhou para a agenda, dentro do bolso. Constatou sua vida e viu que o que tinha já estava além do que sempre sonhou. Nunca foi muito de sonhar... Mas agora tinha um bom emprego, bons amigos, vontade de crescer na vida e principalmente vontade de encontrar respostas do seu passado. Mas com certeza, se envolver com aquele ser divino não poderia estar nesse futuro nem nas suas ambições: era sonhar alto demais...
- Apostam quanto que eu termino essa agenda em um mês? E não se preocupa, Marco: sei do meu lugar. Agora vão circulando, meu povo, porque ainda tô no meu horário de trabalho.
- Cara chato... Vamo, Marco, que tem duas morenas bem ali dando mole. A mais magrinha é tua!

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