San Francisco

- KURT! ACORDA! CARA! ACORDA! VAMOS! ACORDA!
Kurt acordara de súbito. Tinha uma criatura loira em cima da cama dele, pulando, berrando, desesperado para acordá-lo enquanto todos os outros meninos já estavam de pé ou se maldizendo dele.
- O que foi, cara? O que foi? O QUE FOI?
Quando percebeu que o murmúrio sonolento transformou-se em grito de raiva matinal, Corey calou, sentou-se na beira da cama e esperou seu amigo acabar de se acalmar.
- Tenho uma novidade pra tu, cara. Tu nem imagina...
- O que foi? O Scott não vai mais te bater?
- Melhor que isso. A Madre foi me chamar na sala dela, cara.
- O que foi que tu aprontou?
Corey não era de aprontar nada. Ele teve que sacudir o amigo pra ver se acordava, de fato.
- Tu não entendeu, Kurt! Eu vou pra casa! Vão me adotar! VÃO ME ADOTAR!
Um silêncio seguiu a vibração do menino. Kurt parecia não acreditar.
- Vão adotar a mim e a minha irmã, que tá lá no outro orfanato, lembra? Não vão mais separar a gente! Nunca mais!
- Mas... - Kurt estava confuso e feliz ao mesmo tempo.
- Fala, Kurt!
- Cara, tô muito feliz por você, Corey! Sério! Que massa!
- Não, você não tá...
Corey conhecia Kurt melhor do que ninguém. Não só por este ter uma personalidade previsível, mas porque eram quase irmãos.
- Eu tô feliz por você, cara. Eu juro! Só que agora eu vou ficar sozinho de vez!
O silêncio que veio depois foi tão profundo que não souberam definir se foi por segundos, minutos ou horas.
- Eu venho te ver!
- Jura?
- Juro!

O resto do dia parecia todo um grande silêncio. Mesmo o sorriso de felicidade pelo amigo ter alcançado o que queria não supria o vazio do garoto. Estar só não era um estado: era uma condição. Só lhe restava, agora, a irmã Marcella, sua quase "mãe".
Em menos de uma semana Corey estava arrumando suas malas. Processo de adoção, quando dá certo e quando a criança já é grande, é bem mais rápido que o normal. Parece que o mundo tinha pressa em afastá-los.
- Como é que você vai vir pra cá de San Francisco, Corey?
- Eu dou um jeito. Aliás. Vou tentar convencer os meus novos pais a te adotarem também! Seria bem legal!
- É!

Kurt não o acompanhou até o portão. Não saberia fingir sorrisos mais do que já estava fazendo. Voltou para a sala de música, sozinho, enquanto ouvia aquele carro tão bonito levando o amigo, ex-irmão.
"Deve ser o carro legal... Devem ser legais..."
Tentava se afeiçoar àquelas sombras que levavam o amigo como possíveis futuros pais. Tinha que dar certo! Tinha que ir pra San Francisco também! Tinha que ter uma família!
"Devo não merecer..."
Pensou e voltou pro seu violão, tocando aquela velha música do Alabama.
- Agora que você tá sozinho, mané, não vou precisar dividir o meu punho com o teu amiguinho viado. Ele é só seu agora!
Não tinha porquê se soltar dos baderneiros nem resistir à surra. Não tinha mais amigo pra salvar, nem história pra compartilhar, nem travessura pra correr. Era ele, e nada mais, como sempre deveria ser.
E aquele verso, sem saber por que, não lhe saía da cabeça:

"Sweet home Alabama
Where the skies are so blue..."

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