Porque a fome vem rápido

Estava sozinho. Só tinha 5 dólares no bolso e uma barra de chocolate pela metade. E isso não duraria até poder voltar pra Montgomery.
Voltar? Tirou aquele pensamento da cabeça. Não voltaria como um derrotado; ser motivo de chacota e apanhar mais do que o de costume. Voltaria, um dia, pra dar orgulho à Irmã Marcella, mas não agora; não sem achar o Corey.
"Mas será que ele quer ser achado?" Pensou Kurt. Ninguém se muda rápido assim, em meses, sem nem avisar...
Economizou o chocolate até a noite, quando a fome gritava. Mal sabia atravessar aquelas ruas largas. Andou pelas ruas sem destino, sem conhecer nada. Quem sabe um outro orfanato? Quem sabe alguma senhora caridosa? Quem sabe o mundo não fosse tão cruel?
Já era tarde e não tinha lugar para dormir. Foi à uma pensão.


- Cadê seus pais garoto?
- Não tenho, senhora.
- Ah, então é moleque de rua? Saia daqui antes que...
- Senhora! Eu só quero um quarto! Tenho dinheiro!
- Roubou de quem, menino?
- Não roubei, senhora. trouxe de Montgomery, Alabama. Estou procurando um amigo e queria ficar aqui só por hoje.
- Hum... São 40 dólares a diária.
- QUARENTA?
- SE NÃO TEM, VÁ EMBORA!
Não poderia fazer nada além de sair dali. Não sabia onde iria dormir. Resolveu procurar uma estação de trem, pagou 1 dólar e ficou num mesmo vagão por várias estações, esperando cada passageiro tomar o seu rumo, até ele ficar completamente vazio para dormir debaixo do banco.
Pela primeira vez sentira o desconforto de um chão frio e duro. E a tristeza de dormir uma noite sem o beijo na testa da irmã Marcella.
Não dormiu muito. Acordou com xingamentos do guarda. Quase seu pé o alcançou num chute.
Pegou sua mochila quase vazia e correu, correu, correu sem rumo. Correu mais rápido que a mais rápida das fugas pra não apanhar. Correu muito: tanto que não via mais os prédios. Correu e não viu pra onde ia, com a vista turva das lágrimas. E ai corria mais, pra que ninguém na rua percebesse que ele chorava. Pra que ninguém na rua o percebesse.
Era agora um dos meninos invisíveis das grandes cidades. Sem família, sem casa, sem carinho.
Parou num subúrbio, perto de um bueiro, onde ninguém poderia expulsá-lo.


Preferiu não pensar muito no seu futuro - se continuaria vivo, se a vida daria uma chance -. Pensou que teria que sobreviver. E que não tinha tempo pra chorar, porque a fome vem rápido...

"... o pão nosso de cada dia nos dai hoje..."

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